Deveria
estar fazendo outras mil coisas que foram planejadas para o meu dia de hoje,
mas a vontade de escrever é assim, ela vem e muita das vezes não dá para
resistir, por isso, aqui estou escrevendo algo que vem permeando minha fala nos
últimos meses: Eu odeio falar sobre cabelo.
Resolvi
escrever, porque, não dá para simplesmente odiar um tema é preciso discorrer sobre
ele. A discussão sobre o cabelo para nós mulheres negras, muitas das vezes é o
primeiro contato político com o debate frente às violências racistas que
enfrentamos em nosso cotidiano, isso, devido ao fato de que essa sociedade
machista produz um estereótipo padrão no qual todas as mulheres devem se
encaixar para serem aceitas diante da sociedade.
Para nós,
esse padrão fica ainda mais inatingível frente a um cabelo que não se adéqua ao
que o ocidente nos coloca como perfeito e diante desse problema, NÓS SOFREMOS!
Todas nós, ou melhor, a grande maioria PRETA enfrentou horas de alisamento
químico com dores, feridas, cheiros horrorosos, ou investiu muito tempo sentada
em cadeiras para o entrelace de um cabelo sintético ou tranças que seriam o mais
próximo do que é aceitável para um cabelo “afro”.
Quando nos
libertamos dessas amarras e passamos a aceitar o nosso cabelo é algo
libertador, basta dar uma acessada na internet e você encontrará diversos
depoimentos, muitas histórias tristes, mas também extremamente motivadoras
sobre como o cabelo foi ou ainda é motivo de sofrimento para muitas de nós. E
tudo isso por quê? Para nos encaixarmos em um padrão de beleza que nunca será o
nosso.
Nas linhas
acima, para quem já acompanha a discussão faz tempo, abordei mais do mesmo, mas
isso foi proposital para introduzirmos o assunto. Por que eu odeio falar sobre
cabelo? Porque isso é só a ponta de algo muito mais profundo. Não adianta me
perguntarem qual a melhor hidratação para o meu cabelo se não questionarmos
quantas mulheres não conseguem entrar no mercado de trabalho por não terem “boa
aparência”.
Não adianta
discutirmos o motivo que leva uma mulher negra a ainda aceitar o alisamento para
o seu cabelo, sem questionarmos o fato de que ela pode estar passando por
outros questionamentos tão mais graves que, “assumir” o crespo pode ser a
última coisa que ela queira lidar.
Odeio falar
sobre cabelo porque vejo muitas das nossas mulheres utilizando produtos de
marcas que durante meus 30 anos de vida se dedicaram a me machucar com seus alisantes.
E em nome da venda, em nome do capitalismo, hoje mudaram seus produtos para
atender uma clientela preta, que não quer mais alisar. Ou seja, falar de cabelo
é muito importante, desde que nós também passemos a questionar o sistema
ocidental que nos molda diariamente.
Por fim, eu
particularmente estou cansada de falar sobre o que esse sistema de base racista
e escravocrata nos causou de mal, ele estragou nossas mentes e nos fez odiar
quem somos e isso é uma das coisas mais tristes, pois somos uma raça
imensamente poderosa, potente e forte, deveríamos nos orgulhar disso diariamente.
Nosso cabelo
é essência natural de nossa força. Sansão personagem bíblico que era um homem
preto (por mais que o ocidente tente embranquecer toda aquela região africana
para justificar um cristianismo branco), possuía 7 tranças emaranhadas
naturalmente (dreadlocks) que segundo a bíblia, possuíam aspecto de tâmaras
maduras e eram macias como tocar novelos de lã. Sua força estava no cabelo!
Ter orgulho
de nossas características físicas deve sim ser um dos passos para nos
revolucionarmos, mas não podemos sair de um aprisionamento e cair em outro
ainda nas garras do ocidente. Precisamos entender que soltar a mão da
branquitude que cegamente nos guia e oprime é o principal para buscarmos a
verdadeira revolução.
Precisamos
reconstruir nossa subjetividade enquanto ser humano. Nós africanos em diáspora
ainda não nos conhecemos. A árvore do esquecimento ainda nos ronda! É preciso
buscar nossas raízes, para que possamos nos reconstruir por inteiro em nossa
individualidade. Vamos questionar, vamos nos amar e vamos ter Afrika como
ponto de partida!
Desconstruindo tudo...
#LáEmAfrica
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