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Intolerância contra religiões de matrizes africanas também é um ato de racismo

O fato de a intolerância religiosa caminhar de mãos dadas com o racismo provoca, muitas vezes nos órgãos responsáveis por fiscalizar e punir, certa leniência, não porque a intolerância não deva ser combatida, mas porque estes órgãos ainda são incapazes de lidar de maneira eficaz com os temas ligados ao racismo. (Gualberto, Márcio Alexandre Martins 2011, p. 10)


Terreiro  de Candomblé Aafin Oxumarê/ Foto: Naty Melo (utilizada no TCC: Relicário) 
Começo com um trecho do Mapa da Intolerância Religiosa, uma junção de reportagens que retratam a intolerância religiosa no Brasil, para falar exatamente sobre o racismo e o quanto esses dois problemas estão interligados.

As religiões africanas que cultuam os orixás datam de um histórico de mais de sete mil anos, porém no Brasil elas nascem a partir da chegada dos negros escravizados ao país. A primeira delas o Candomblé nasce no navio negreiro, juntamente com as mulheres negras, que na África tinham a responsabilidade de cuidar dos orixás da família.

A escravidão foi tão cruel com os negros que retirou deles os três pilares que fazem com que alguém se entenda como ser humano, a língua, a família e a religião. Mulheres, crianças e homens adultos de uma mesma família foram vendidos separadamente, já que vulneráveis eram escravizados mais facilmente.

Acontece que a força do povo negro foi mais forte e a partir do conhecimento que trouxeram de diferentes regiões da África, os escravos que aqui estavam reuniram o que sabiam sobre a sua religiosidade para dar início à manutenção de sua fé. Nasce então o Candomblé, e com ele, o sincretismo religioso.

Proibidos de professar sua fé, os negros sincretizaram seus orixás aos santos católicos, para que pudessem realizar suas orações sem serem castigados. A Umbanda e outras variações religiosas como Tambor de Mina, Quimbanda, Batuque, dentre tantas outras, nascem dessa miscigenação que é o Brasil, com bases em raízes africanas e fortalecidas por culturas locais onde o negro foi inserido como escravo.

Para quem acha que o racismo esta dissociado de assuntos como esse, engana-se, pois, exatamente devido a essa construção social estruturalmente racista, as religiões afro-brasileiras foram demonizadas. E até hoje os professantes dessa fé precisam conviver com a dificuldade na autoafirmação e preconceitos diários.

Falar sobre isso é extremamente atual, pois recentemente uma jovem candomblecista de 11 anos foi apedrejada por evangélicos que passavam em frente ao terreiro de candomblé de onde ela saia na hora do ataque. A gravidade dessa ação fez com que ela fosse destaque nos principais noticiários brasileiros, a questão é que essa realidade acontece diariamente e por questões raciais, devido à associação dessa religiosidade, ao negro brasileiro.

Chegamos a um momento de empoderamento do povo negro, seguindo a fala de uma amiga, abrimos uma torneira que não se fechará mais. A luta de militantes do movimento negro, nascida a partir da luta de resistência dos escravos com a criação de seus quilombos, começa a mostrar seus frutos. 

Somos filhxs e netxs de negros que resistiram ao racismo, que trabalharam em subempregos, mas que compreenderam a necessidade de apoiar o crescimento, pessoal, profissional e acadêmico de seus filhos e os negros começam agora a compreender a beleza da sua origem, historia, ancestralidade e religiosidade, portanto cobrar respeito e empodeirar outros de nós será um ato cotidiano. Trabalho para estarmos perto de um tempo em que o racismo não seja mais o provedor da nossa organização social.


Do lado direito  da rua direita ... 
... negra e dançando com os orixás


Comentários

  1. Excelente texto, Agnes. Concordo plenamente. Essa pauta deve entrar no debate com essa clareza!

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  2. Uma luta diária, parabéns Maria.

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